sábado, 14 de junho de 2008

Cultura

Cultivo, conhecimento, simbolismos, manifestações folclóricas, erudição, conjunto de tradições...?Compreender o significado de Cultura em toda a sua amplitude, sua abrangência, é um privilégio de poucos... pouquíssimos, diria até de ninguém. Mas minha presunção jornalística me enchia de razão para apontar meu dedo acusador para o Parque do Povo, acusando esse São João de matar a "cultura autêntica", as manifestações populares de raiz, e mais dessas expressões pseudo-acadêmicas vazias.

Fui produtor e apresentador de um programa na Rádio Universitária no ano de 2007; programa pretensamente cultural, onde eu e meus co-editores enaltecíamos a velha guarda do "forró da seca" (Luís Gonzaga, Jackson, Marinês e cia.) em detrimento da "música comercial e parasita" que é incutida no gosto popular. No entanto logo percebi que nem o próprio jornalismo é capaz de trazer uma discussão ampla sobre Cultura; popular, de massa, multiculturalidade... quem quer saber de algo tão abstrato e pouco útil à vida cotidiana? Enfim, após uma dura crítica que fiz durante o Rota Nordeste (esse era o programa), recebi outra de volta: "e as pessoas que vêm aqui para curtir o forró de Calcinha Preta e Saia Rodada, dançar ao som do forró (dito) eletrônico?". São gente sem cultura? Que cultura? A da erudição ou relativo a costumes? Relativo à (re) produção simbólica ou às tradições? Cultura enquanto identidade? Ou enquanto cultivo (sentido original do termo)?

1 - Na verdade quem não tem cultura não existe... não há como o indivíduo viver sem cultura;
2 - Cultura não é erudição (não encha o peito para dizer que gosta de música clássica entre forrozeiros);
3 - Aviões, Calcinha, Saia e demais se constituem cultura sim... pelo menos pra milhões de ouvintes, que criam uma identidade comum em torno de músicas assim (não entendam isso como homogeneização);
4 - Cultura não é estudo... por favor, não vivemos mais no Brasil agrário;
5 - Eu escuto rock progressivo, hard rock e AOR cristão... nesse momento, nessa cidade, não compartilho minha cultura com ninguém, ou seja, estou numa redoma.
6 - A cultura é transcendental, principalmente nesse novo milênio. Portanto, ninguém me encha a paciência dizendo que eu só valorizo o que é de fora.

Não ficou claro? Não foi essa minha intenção mesmo... mas pensem melhor antes de criticar alguém por causa de gostos duvidosos. Esse alguém pode ter mais cultura que você. Bom, se me permitem, vou sacudir os cabelos que eu não tenho e tocar instrumentos imaginários ao som de Shout, viver minha cultura sem saber o que é cultura e sem dar a mínima para o que é cultura... eu gosto e pronto! Ô discussão sem futuro ¬¬'!...

3 comentários:

Espinho de Quiabento disse...

Discussão instigante... Imagino as reflexões que devem ter se embolado no estômago na forma angústia pra depois se expandir na forma texto. Ninguém escapa a esta discussão, cultura é um termo amplo demais, e você tem razão, não pode ser pensada como um conceito que guarda em si uma formatação fechada do que a corresponde na realidade. Penso que cultura só pode ser pensada enquanto processo. Por isso, precisamos viajar nos movimentos de culturação... Aqui entramos direto no mérito de teu texto. Vou ser direto: ao ler, fiquei pensando, tem razão, mas eu não iria por esse caminho, pra mim: nem oito, nem oitenta. Não podemos dizer que forró de plástico não é cultura e que forró de raiz é cultura (é só um exemplo dentre muitos). Isto seria um equívoco dotado de todos os problemas da arrogância acadêmica. Mas pensemos: os processos de significação destas manifestações culturais se fazem de maneira diferente. O forró de raiz, geralmente, tem uma relação forte com o mundo do trabalho, com o fazer-se do homem em seu cotidiano. O chamado forró de plástico, tem uma origem diferente, em essência tem uma relação muito mais íntima com o mercado... aliás, a repetição de temáticas e de fórmulas de sucesso, nos mostram como esse tipo musical aprendeu a se constituir à partir do que agrada, mais que isso, do que vende. Mas as pessoas se identificam e isso justifica o seu sucesso. De fato, poderíamos pensar então que os consumidores fazem o produto (isso marx já anunciava a muito tempo). Mas como o próprio velho também alertou, a produção faz ao mesmo tempo o consumo. Penso, mas como essa produção faz o consumo? explorando justamente o mais frágil do ser humano. A pulsão de desejar: o fetiche. Não é à toa que as músicas deste campo artístico (forró de plástico, pisadinha, arroxa, pagode, pado-funk e outras formas mais novas) têm mostrado um movimento de erotização de suas letras. Antes, esta erotização era mais sutil, o duplo sentido ainda era um recurso utilizado. Hoje, fenômeno ainda inexplicável, as letras caminham para uma genitalização. Parece que nem mesmo no âmbito da cultura nós podemos esperar - o tempo é muito precioso. Vamos logo então ao que interessa, para que papo furado? Bem... o comentário que fiz foi no sentido de problematizar um pouco a discussão sobre cultura: afinal, estes movimentos culturais têm que ser vistos à luz da história, para que a gente possa entender a complexidade que eles guardam. Um dos caminhos interessantes pra pensar isso é lançar o olhar para a relação que cada um dos gêneros estabelece com o mercado. Aculturação, ou seja: superposição de traços culturais por outros existe. Mais do que vemos, mais do que pensamos.

Fordelone disse...

Eu ouso discordar. O que ocorreu, foi que sua argumentação estava construída sobre a noção de "cultura", o que é demasiado abrangente, em termos sociológicos. É inquestionável que de fato todos têm cultura.

Por outro lado, o que antes denominavamos falta de cultura, também pode ser entendido como uma pobreza generalizada em conteúdo e forma. Segue o exemplo:

[b]Calcinha Preta - Tudo De Novo[/b]


[i]quero saber se você vai voltar pra mim
prometo não fazer você sofrer
te amo e não quero te perder
meu corpo sente a falta de você

não sei por que você fugiu de mim
estou desesperado, vê se volta
juro que vou te fazer feliz
vem recomeçar aqui comigo
tudo de novo, tudo de novo
amor eu juro, amor eu juro

quero saber se você vai voltar pra mim
prometo não fazer você sofrer
plantar um pouco desse amor no seu jardim
pra nunca mais você me esquecer

toma cuidado
seu coração vai aprender o que é paixão
toma juízo cuida mim
entregue o jogo, melhor assim

te amo e não quero te perder
meu corpo sente a falta de você"[/i]

Primeira estrofe, além de andar pelo tão batido tema do amor suplicante sem trazer à tona nenhuma abordagem nova para ele, ainda rima tudo no infinitivo. Até mesmo as figuras de linguagem são todas lugares comuns. Não há como dar qualquer valor artístico a uma letra dessas.

Quanto ao som, não se destaca pela harmonia, nem pela originalidade, nem faz qualquer tipo de intertextualidade com a própria letra, nem pela complexidade, nem por nada. Ou seja, é realmente cultura, mas uma cultura feita sob encomenda, para padronizar a imbecilidade no campo artístico.

Abraços.

Eber Freitas disse...

cultura artística/raiz e cultura de massa/industrial, ao estilo neofrankfurtiano...

temos que buscar novas concepções...

mas realmente, não deixa de ser vulgar, letra e música