Sentei na frente do computador, estralei os dedos, estiquei a coluna, abri o programa de textos, e me deparei com uma tela fria, limpa e branca. A sensação não é diferente de todas as vezes que escrevo como obrigação. Uma certa apatia, vontade de fazer outras coisas, levantar, tocar violão, tomar banho, arrumar o quarto, acompanhar as notícias do esporte, ler poesias, ah, coisas interessantes para se fazer não faltam, mas estou aqui na frente desta tela e tenho que enfrentá-la. É um enfrentamento,que de físico tem muito pouco. Tá certo que meu corpo se movimenta, meus dedos se alvoroçam tocando as teclas pretas, minha pernas cruzadas nos tornozelos se movem freneticamente como uma borboleta, minha cabeça curvada levemente para esquerda parece cair sobre o ombro – talvez pra deixar melhor descer as idéias. Mas fora isso, nada mais é físico nesta escrita. As letras se registram em um arquivo virtual, e o arquivo, exceto se você não salvar o documento e acontecer alguma infelicidade como a falta de energia, ficará gravado ali virtualmente. Você poderá até torná-lo físico imprimindo, mas em origem ele não é assim. Comecei com essa queixa porque a forma de escrever, entendo, imprime a trajetória da escrita. No papel diretamente, com uma caneta, é bastante diferente. Alguns até já acham arcaico, ou estão simplesmente abatidos pela crise cibernética de não conseguir escrever sem a mediação do PC. De qualquer forma, mesmo não sofrendo de tal crise, somos todos afetados por esse elemento – o PC – que não somente mudou nossa forma de escrever, mas a nossa forma de se comunicar, ou seja, é um bichinho que adentrou profundo na epiderme comunicativa que interliga um sujeito ao outro. Um dia desses saíamos de casa - dois amigos e eu - e por coincidência todos receberam ligações ao mesmo tempo - sacamos os aparelhinhos e disparamos a falar sozinhos andando de um lado para o outro. Logo que desliguei o celular pensei: há pouco mais de dez anos essa cena provocaria um estranhamento absurdo. Hoje é banal, as pessoas falam sozinhas através de seus aparelhinhos, enquanto outras pessoas falam sozinhas do outro lado, é a mágica da contradição tecnológica: todos interligados, todos solitários. Podemos achar os “amigos” a qualquer momento, é só procurar, mandar um e-mail, um scrap no Orkut, entrar no MSN para encontrá-lo se estiver online, ou se for íntimo e tiver o número, discar para o celular, e está ali, a comunicação que em outros tempos era impossível se faz, sob o toque da varinha mágica da tecnologia. E assim, mal precisamos sair de casa, ou como diria um funk não sei de quem, mas certamente de alguém dotado de absurda criatividade, “ado, ado, ado, cada um no seu quadrado”. Em casa, na segurança do lar, livres das possíveis ameaças de um mundo fundado nas contradições sociais, nós, da inventada classe média, sopramos a bolha, como quando crianças, mas ao invés de deixá-la voar, entramos dentro dela e nos limitamos por suas escorregadias paredes.
domingo, 7 de dezembro de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
O texto é simplismente perfeito.
Um relato da realidade em q estamos, virtualizados, presos em bolhas de tecnologia...
Dá pra perceber o crescimento da narração. De ansiedade pra texto.
A gente se envolve com o personagem.
Como ja sabes gostei mto!
Incrível...
Como o dia-a-dia bem narrado é espetacular...
O cotidiano descrito e escrito brilhantemente!
Parabéns!!!!!
Postar um comentário