Carlos de Thalisson T. Vasconcelos
[Feitas por elas mesmas]
I
Às vezes acredito desconhecer a saudade
Não a encontro quando estou indiferente à vida
É tudo culpa da angústia que me reparte
Em formato de vazio ou imponente anestesia
Deixo ir solitária a felicidade pálida dos acasos
Juro: alguns segundos e ela some pusilânime
Firo-me por ânsia consciente com o passado
Se a minha dor tivesse corpo, exalaria sangue
Nem melhor nem pior do que o diabo
Como ser humano busco algo superior
Nessa estrada a cada dia eu me acabo
Tropeço nas fraquezas do bobo que eu sou
II
Eis o breve surgir entre os vícios humanos
Paixões profundas naufragando em prazeres
Nesse mar, a areia sobe e desce e fede tanto
Que só sobrevivem os mais estúpidos seres
No meio invisível, as cores dão lugar ao nada
Tudo se confunde, se aproxima e se perde
Fantasia encontra sonho, grita e se afasta
Uma imagem é vendida, outra se esquece
Os amantes desvairados chegam ao êxtase
Descobertos por si mesmos, cometem suicídio
Escravizados pelos seus própros interesses
Reconhecem - a nossa liberdade exige sacrifício
III
Escrever, desenhar, pintar e tornar eterno
O que se sente por qualquer sentido
Primavera, verão, outono e inverno
Fazer da arte o nosso abrigo
O porquê, o senão, o verbo
Eles se adaptam à sensibilidade
Sejamos de espontâneo léxico
Reinventemos tons e imagens
A arte é um sonho livre
Feita para qualquer ser humano
Que pelo menos acredite
Num existir com encanto
IV
Agora escolho a empatia sincera
Hei de ser feliz enfim
Mesmo frágil, creio que ela
Ah, Trata melhor a mim
Por muito tempo quis a dor
Fiz do sofrer um hábito
Criei aversão à palavra amor
Ah, andei tão trágico
Não sei quem sou
Se soubesse, seria entendiante
Desconheci o meu avô
Ah, queria ser comediante
V
Suma, senhora Guerra
Surja, senhora Paz
Quem odeia aquela
Vive sempre mais
Juventude, que tragédia
Geração, oh sonhadora
Uma virtude bela
Maltratada vira zorra
Guerreiros, libertem-se
Lutem pelo todo
Companheiros já crescem
Adeus, ódio oco
I
Descobri que paixões são uma bagatela
Que a vida, idosa e banguela
Trata de findar com o tempo
Percebi que ilusões são contratos
Que se criam de bons atos
Como seguir o passo do vento
Enfim perdi tudo o que queria
Tristeza, saudade e alegria
Deixa estar, eu só lamento
1. Bagatela = Coisa de pouco valor.
II
Sou menino fraco de alma
Sonhador preciso ser
Coração, peço-lhe calma
Se matar-me, irá morrer
Importe-se, por favor
Fazem poesias ao seu existir
Não se enfeite tanto de dor
Bata bem forte a quem vier aqui
Seja meu amigo, ô insuficiente
Prometo contigo agir menos tolo
Dê paz ao que tenho inconsciente
Ouvirei seu grito e lhe trarei consolo
III
Deixar a música falar à minha audição interior
Sem a pretensão de reconhecer nenhum criador
Além do universo?
Sim, senhor.
Esperar os tons agudos para recordar maravilhas
E os tons graves para reabrir as feridas
Do meu espírito?
Sim, senhor.
Oscilar enlouquecidamente entre harmonias
Até parecer que todas são contínuas
E complementares?
Sim, senhor.
Amém.
IV
Talvez a minha imaginação pusilânime se condene
As luzes dentro da alcova à noite eu as prefiro apagadas
Quanto ao meu corpo varonil, ele nunca mente
As imperfeições escritas falam em folhas já queimadas
Dispenso qualquer apanágio divino por agora
Amaldiçoadas sejam as conjecturas
Em cima do céu não se ouvem sinos ou histórias
Na minha mente prevalecem coisas impuras
Prosaico eu nunca serei
Disso todo o mundo tenha certeza
Recuso título de escravo e de rei
Das buscas existenciais persigo a natureza
1. Pusilânime = Covarde.
2. Alcova = Quarto de dormir.
3. Varonil = Másculo.
4. Apanágio = Privilégio.
5. Prosaico = Vulgar.
V
Estouvados sentidos os levam a armadilhas
Irracionais feridos para selvagens cantigas
Infeliz quinhão que decide quantas vidas
Permanecem intactas ou são perdidas
Caça-se por diversão, avareza e mérito
Muito sangue numa guerra unilateral
Os maiores culpados comandam exércitos
Escondidos em títulos de caráter excepcional
Heróis desmascarados perdem seus poderes
Enquanto atônitos jovens os enojam
Em compêndios a inocência foge deles
Tão bandidos quanto os outros se mostram
1. Estouvados = Imprudentes.
2. Quinhão = Destino.
3. Compêndios = Livros didáticos.
4. Atônitos = Pasmados.
VI
Os meus sentimentos devem chegar ao paroxismo sincero
É o que sempre eu juro, busco e espero
Um efeito salutar mesmo que fatalmente incompleto
Sem abono de coisa alguma, construir-se-á o belo
Escreverei uma última epístola
No final estará dito
Sou ser humano, oh vida
Eterno, único e infinito
Ponto, afinal,
nunca é final,
mesmo final,
ponto final?
1. Paroxismo = Mais elevado grau.
2. Salutar = Que faz bem ao espírito e ao coração.
3. Abono = Garantia.
4. Epístola = Carta.
VII
Deus, manda a esperança me visitar quando eu estiver acordado
Ela deverá transformar a minha angústia em outro estado
Porque senão irei virar pedaços, nada mais que pedaços
quarta-feira, 9 de junho de 2010
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