quinta-feira, 19 de março de 2009

Sobre o confronto e a livre manifestação (na ótica de quem leva porrada)

Em casa, atolado por uma série de atrasados, com a cabeça demasiado concentrada nos prazos desobedecidos da universidade, vejo-me de súbito atravessado por uma notícia severa – navalha no tempo que me leva a um passado recente – minha participação nas lutas contra o aumento das tarifas do transporte público em Campina Grande. Ocorre que a notícia me chegou pelo telefone, quando um amigo preocupado com a violência utilizada pelos policiais na “contenção” da manifestação contra o aumento das tarifas de R$ 1,55 para R$ 1,70, me ligou perguntando sobre a situação.

Corri para o rádio, sintonizei alguma destas “que prestam serviço à comunidade” (como costumam repetir os jornalistas), e fiquei à espera de alguma notícia. Esperei, tendo que ouvir impaciente algumas declarações dos protagonistas da cena política paraibana sobre a “restruturação” do governo, dos cargos, como também, sobre as próximas eleições – A pergunta incessantemente repetida (talvez para dar um ar de importância a este fato, que em última análise, já que nada muda de fato, é banalíssimo), era: Quem será candidato?

Depois de muito esperar, já cansado de asneiras, ouvi no final do programa de notícias, uma passagem rápida, apagada, sobre o incidente que me desconcentrara dos estudos, mais ou menos assim: “Estudantes secundaristas (esqueceram eles de falar que também universitários), ocuparam as ruas de Campina Grande para protestar contra o aumento das tarifas do transporte público. A manifestação foi conduzida até o terminal de integração onde houve confronto com a polícia.

Bem, se me lembro com clareza (e se meu corpo ainda não esqueceu a dor da porrada do cacetete, resultado de uma das manifestações de que participei), a mídia tem destes eufemismos. Quando diz confronto quer dizer: promoção da ordem na base da violência do estado – em detrimento do direito de livre manifestação. Não falaram sequer que oito manifestantes foram levados presos (alguns, que conheço, bem jovens, dezoito, dezenove anos), sob que alegação? Desordem? Desacato à autoridade? Bradar contra o direito legítimo da justiça em decretar um aumento de preços? Discordar do aparente consenso produzido pela força arbitrária daqueles que não só detêm os meios materiais de produção da nossa vida, como também os meios de contenção da liberdade de pensar, de agir, de manifestar-se? Não pode existir confronto, não no sentido pleno da palavra, entre policiais - treinados para a violência, truculentos, e bem instrumentalizados com cacetetes, spray de pimenta, bala de borracha, capacetes, escudos, e todos estes aparatos “robocopizantes” de seu “hábito” (1) - e estudantes armados do pé a cabeça com coragem, consciência, caderno e caneta.

Eu em casa até me sinto um tanto triste, afinal, impedido pela obrigação de estudar, não estive presente nesse suposto confronto. Digo, contudo, aos que se vestem da violência física e simbólica para produzir "verdades", que as nossas verdades (as dos que discordam que o aumento de tarifas é justificável) são produzidas em palavras e atos, sementes de flores vermelhas, que uma vez jogadas ao vento, teimam em brotar no asfalto. A força policial, a justiça e o estado, a mídia – braços de quem tem o poder de ordená-los ( vale dizer, os grandes empresários), podem avançar sobre os nossos corpos, podem até matar-nos, e matam quando julgam necessário, vale o exemplo de El Dorado do Carajás (2). Podem avançar sobre as nossas mentes, conquistando através de um estímulo ao medo, os terrenos de liberdade que ainda nos restam, mas não poderão controlá-las por completo (se até Winston resistiu como pôde ao poder do Big Brother (3))

No fundo da consciência e do corpo, há uma luz que Pablo Neruda recomenda pescar com paciência. Esta luz, oriunda das contradições de um consenso imposto, é energia de luta contra os desmandos que nos ferem o corpo e a alma e quiçá se fará luz mais forte e compartilhada, como a dos “galos tecendo o amanhã” (4).


“Nasceu uma flor no asfalto. É feia mais é realmente uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio” (A flor e a náusea – com edição da minha frágil memória - Carlos Drummond de Andrade).


“Não morrerá a flor da palavra. Poderá morrer o rosto oculto daquele que hoje a nomeia, mas a flor da palavra que veio do fundo da história não morrerá” (Sub-comandante Marcos – com a edição capenga da mesma memória – 4ª declaração da Selva Lacandona – Exército Zapatista de Libertação Nacional).


Viva à rebeldia,


atravessado por todos aqueles que lutaram e lutam por dias melhores.



(1) Entenda-se hábito aqui como uma referência às vestes religiosas. Não é só a arma que sinaliza o poder, o “hábito” que os policiais vestem grita o tempo inteiro o seu autoritarismo.


(2) Referência ao assassinato de dezenove trabalhadores rurais sem-terra no estado do Pará em 1996 – trabalho feito pelas mãos do estado, nosso soberano protetor e estado legítimo de direito.


(3) Referência ao romance 1984, do inglês George Orwell.

(4) Referência ao poema de João Cabral de Melo Neto.

domingo, 8 de março de 2009

Watchmen e a Angústia Humana diante do Nada

Sexta-feira, 6 de março, 2009, estreou nos cinemas um longa metragem do diretor Zack Snyder, Watchmen, baseado num grupo de personagens de uma história de quadrinhos, de Alan Moore e Dave Gibbons, cujo enredo tem como contexto histórico a guerra fria entre USA e a antiga URSS.

Watchmen traz alguns elementos interessantes para se compreender a existência humana coletiva e individual, dentro de determinadas condições históricas, que delimitam as várias possibilidades no horizonte da existência.

Contexto da guerra fria, duas nações potências nucleares, numa tensão nunca vista entre duas ideologias, o capitalismo e o comunismo. Uma guerra era uma possibilidade constante, que efetivada acabaria com toda vida humana. O contexto então, para os indivíduos era de Angústia. Pois a humanidade estava beirando o abismo do Nada. E a possibilidade deste Nada afetava qualitativamente as perspectivas futuras de todo projeto humano. Neste contexto surge a figura metafórica da Angústia: O Relógio do Fim do Mundo, que chegou a ser ajustado a um minuto para zero horas. Sendo que zero horas simbolizava o fim do mundo.

No meio deste contexto, haviam alguns heróis, pessoas moralmente ambíguas, que sintetizavam em si as possibilidades morais, tanto positivas como as negativas. Eram chamados de os Vigilantes, e combatiam o crime, no patamar da Irracionalidade, pois os critérios objetivos e racionais da Lei, não eram os seus critérios. De modo que tempos mais tarde, foram rejeitados pela própria sociedade.

Estes heróis eram humanos, demasiadamente humanos. Com exceção do Dr. Manhattan, todos os outros não tinham nenhum poder extraordinário e mágico. Eram homens e mulheres inexplicáveis em termos rigidamente conceptuais da moralidade. Neles havia uma tensão constante entre a animalidade instintiva e a espiritualidade racional. Em termos freudianos, poderia-se dizer que neles, também, Id e Super-ego travavam uma constante luta. Em termos mais tradicionais, diria-se que havia neles uma tensão constante entre o Estético e o Intelecto. Elementos Irracionais em oposição com os Elementos Racionais da Existência de um Indivíduo Humano. Nem mesmo o herói de poderes extraordinários escapava desta ambiguidade, quando trocou sua mulher mais velha por uma mais nova.

A ameaça da nadificação do Projeto Humano numa possível guerra nuclear causava um efeito interessante sobre estes heróis. Ser herói é se distinguir dos demais seres humanos. Pois o herói se destaca por algumas qualidades. E isto faz a Diferença. E ser diferente é um dos maiores bens da Individualidade. Ser diferente de tudo o mais é a prova mais concreta de que se é alguma coisa e não um nada ou uma parte indiferente. É a garantia de que não se é apenas uma gota d'água no Oceano. Nada é tão angustioso a um ser humano como a possibilidade da indiferenciação. Uma das maiores dores é a dor de ser tratado com indiferença sem poder impor sua diferença.

Porém, no contexto de Watchmen, a ameaça nuclear, nivelava em termos de angústia e indiferenciação todos os humanos, até mesmo os heróis. Que poderiam eles, os heróis, fazer diante de um poderio bélico tão grande, em que 1% das bombas eram suficientes para extinguir a raça humana? Eles não tinham poderes suficiente para deter de modo mágico o fim do mundo. Eis que os heróis foram afetados de tal forma que o clima tornou-se de melancolia e desânimo.

O desfecho do enredo é interessante. Uns dos personagens consegue arquitetar e executar um plano genial baseado na filosofia ética do utilitarismo: o maior bem para o maior número de pessoas possíveis. Colocando em tensão o bem do indivíduo e o bem social, optando sempre por este e não por aquele. No entanto, os meios utilizados não foram nada louváveis...

Concluindo, Watchmen, é um romance que expõe a humanidade de um modo otimista e pessimista, retratando o homem em seus elementos irracionais e racionais, em sua ambigüidade moral, em sua impotência diante de ameaças absolutamente destrutivas, enfim em sua angústia diante da insignificação do Nada ameaçador do Ser, presente em cada indivíduo, até mesmo nos mais notáveis , os heróis.

Johannes, em estado estético!

sexta-feira, 6 de março de 2009

Ilusão



Na esperança de encontrar-me, busquei-me em tudo e todos. Nos olhos que nunca observei, lábios que nunca provei, caixões que nunca repousei, pores-do-sol que nunca assisti, estrelas que nunca vi, ou seja, me procurei numa vida que nunca vivi.